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Entrevista: Gelson Henrique, da Iniciativa PIPA, fala sobre a pesquisa Periferias e Filantropia

Por Mônica Ribeiro

A Iniciativa PIPA lançou, em março deste ano, a pesquisa Periferias e Filantropia – as barreiras de acesso aos recursos no Brasil. Realizado com apoio do Instituto Nu, o trabalho tem por objetivo analisar a descentralização dos recursos privados para viabilizar ações e projetos daqueles que estão na ponta.

O material é parte também do projeto desenvolvido por Marcelle Decothé, cofundadora e conselheira da Iniciativa PIPA, como bolsista do Programa Saberes, da Rede Comuá.

Os dados são representativos de um universo de 607 respostas de gestores e gestores que atuam na linha de frente nas periferias brasileiras para garantir direitos básicos, qualidade de vida e oportunidades nas comunidades.

A pesquisa revela que quase metade das iniciativas pesquisadas, 46%, não obtiveram recursos para realizar suas atividades nos últimos dois anos. E 31% delas trabalhavam com menos de R$ 5 mil ao ano.

Dentre os desafios encontrados pelas iniciativas na gestão de seus projetos, 72% responderam necessitar de mais conhecimento de gestão financeira; 56,5% consideram urgentes as condições de prestação de contas, que consideram demasiadamente burocráticas.

A maioria das organizações (41,8%) são coletivos que, apesar de ativos em seus territórios, não possuem registro oficial/CNPJ.

Os resultados apontam ainda que 74% das pessoas que atuam nos projetos são pessoas negras, e 78% das pessoas beneficiadas pelos projetos, também são.

As mulheres na linha de frente das ações de transformação social no país somam 68%, mas podem chegar a 68%, pois elas também estão presentes em outras categorias pesquisadas pela PIPA, como LGBTQIAP+.

“A gente trouxe evidências para que a filantropia seja repensada a partir dessas pessoas, a partir dos nossos olhares, para mostrar que precisa ter um novo planejamento estratégico do ecossistema, novas tendências, para que se dê conta da realidade brasileira”

“A gente trouxe evidências para que a filantropia seja repensada a partir dessas pessoas, a partir dos nossos olhares, para mostrar que precisa ter um novo planejamento estratégico do ecossistema, novas tendências, para que se dê conta da realidade brasileira”, analisa Gelson Henrique, cofundador e coordenador executivo da Iniciativa PIPA, que falou à Rede Comuá sobre a pesquisa:

Qual a motivação para fazer a pesquisa?

A necessidade da pesquisa nasce quando, em 2019, a PIPA começa a ser pensada e a gente começa a entender que o campo não tem um olhar para a periferia com a importância que nós entendemos que ela tem para a transformação social no país. E os dados que nós estudamos vinham falando muito sobre filantropia e pouco sobre a relação entre filantropia e periferia. Só que a gente vai vivendo e percebendo que, ao nosso redor, todas as pessoas e organizações vivem com muito pouco recurso ou com nada. Então a gente decidiu fazer essa pesquisa para ter dados empíricos para que a gente consiga entender essa realidade e fazer essas disputas do campo.

Quais os maiores achados?

Existem muitos achados nessa pesquisa que são importantes levar em consideração, mas eu destacaria que 1/3 das organizações de periferia que responderam essa pesquisa vivem com menos de R$ 5 mil reais ao ano, e isso veio de uma amostragem de 607 organizações. 89% das equipes gestoras possuem um outro emprego, então quando a gente vai falar de periferias, de organizações, nós estamos falando de jornada dupla de trabalho. Se forem mulheres, jornadas triplas. Se forem mães, jornadas quádruplas. Esses são dados muito alarmantes. E em 58% dessas organizações, todas as pessoas são voluntárias. Isso é muito importante ser olhado.

Qual o impacto que ela pode ter no ecossistema filantrópico?

Ela tem toda a possibilidade de impactar a filantropia porque a gente trouxe evidências para que a filantropia seja repensada a partir dessas pessoas, a partir dos nossos olhares, para mostrar que precisa ter um novo planejamento estratégico do ecossistema, novas tendências, para que se dê conta da realidade brasileira.

E o impacto junto às organizações e movimentos periféricos?

Para as organizações de periferia, esses dados são importantes para que sejam usados nos projetos e nas narrativas sobre a importância do impacto nacional que as periferias possuem. São dados que podem ser usados de maneira muito estratégica por organizações e gestores de periferia na hora de captação de recursos, ou até mesmo para mostrar a relevância do seu trabalho. Porque ainda tem muita gente que diz que o trabalho que as periferias vêm fazendo não são tão relevantes.

Como essa pesquisa volta para as organizações que participaram do mapeamento?

Nós fizemos um retorno para essas organizações do que foi achado, quais são os dados. E estamos consolidando uma estratégia de rede da PIPA, a partir dessas organizações, para fazer com que elas também se movimentem e que mais pessoas as conheçam. Também estamos divulgando para as nossas redes, estrategicamente, ações que essas organizações vêm fazendo, com o que elas trabalham, a fim de aumentar sua visibilidade. E vendo, na área de programas, uma estratégia para fazer com que as parcerias com essas organizações sejam efetivas e muito capilares.

Quais são os próximos passos da atuação da PIPA?

Lançamos essa pesquisa em março, e já tivemos uma grande incidência com o poder público e com o próprio setor da filantropia. O que nós vamos pensando nos próximos momentos é fazer um pouco mais, fazer algumas outras pesquisas, uma produção de conhecimento, mas também pensamos em formações e estratégias para organizações da periferia. E vamos consolidando estratégias de incidência, de disseminação desses dados. A PIPA é esse grande articulador que vai fomentando o debate de infraestrutura no campo a partir das periferias.


Imagem de capa: Iniciativa PIPA / reprodução das redes sociais

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