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Dia dos Direitos Humanos: como a filantropia pode ajudar a superar desafios nesse campo

Por Allyne Andrade[1] e Ana Valéria Araújo[2]

Na primeira semana de dezembro, o Fundo Brasil de Direitos Humanos realizou um encontro virtual entre representantes de todos os projetos apoiados atualmente pela fundação. Participaram mais de 75 iniciativas, de 21 estados brasileiros, que somaram mais de 100 ativistas presentes. Foram dois dias inteiros de reflexões e análises da conjuntura do Brasil atual, feitas por defensoras e defensores de direitos que atuam em diversas pautas, e que discutem o país a partir de diferentes perspectivas e lugares.

A amplitude deste evento, bem como a adesão a ele depois de quase um ano inteiro da pandemia que nos mergulhou em uma sequência exaustiva de reuniões, cursos, seminários e lives, tudo online, é mais uma demonstração de força da sociedade civil. De seu potencial de se organizar e lutar pela efetivação dos direitos inscritos na Constituição de 1988.

Neste Dia dos Direitos Humanos, é relevante iluminar o papel fundamental que a sociedade civil organizada exerce na construção de um país democrático. Especialmente em um contexto em que a postura institucional dominante nas várias esferas de governo é de criminalização deste trabalho, de negação da vida e pregação da morte.

O Fundo Brasil de Direitos Humanos há 14 anos apoia esses grupos, coletivos e organizações de base que atuam em seus territórios, com profundo conhecimento dos problemas reais de suas comunidades e com grande capacidade de elaborar saídas, de construir caminhos autônomos em busca do bem viver coletivo.

A fundação capta recursos junto a diversos atores – agências de cooperação, fundações internacionais e nacionais, indivíduos – e os destina a projetos que propõem ações coletivas voltadas à defesa e promoção de direitos humanos. Com amplo conhecimento do campo, das iniciativas, tendências e urgências pelo país, garante que o apoio chegue à ponta, com especial destaque para grupos que desenvolvem trabalhos fundamentais, mas têm pouco ou nenhum acesso a outras fontes de recursos. Impulsiona, ainda, a articulação, a formação ou consolidação de redes de atuação temáticas ou circunstanciais.

O Fundo Brasil entende este trabalho, o grantmaking, como uma ferramenta que traz para o centro do debate político uma pluralidade de proposições sobre quais são os direitos fundamentais da cidadania e como promovê-los e expandi-los. Um formato de apoio que ilumina pautas e estratégias locais, construídas a partir de saberes diversos e distintos entendimentos de país e de mundo. Desta forma, democratiza a construção de um país mais igualitário, empoderando sujeitos, impulsionando o desenvolvimento comunitário e coletivo, fortalecendo vozes para que protagonizem suas próprias causas.

Ainda no que diz respeito à metodologia deste trabalho, outro aspecto fundamental é o processo de seleção dos projetos e grupos apoiados. Criado por ativistas de causas diversas – terra e território, enfrentamento ao racismo, direitos das mulheres e dos povos indígenas, entre outras – o Fundo Brasil traz ativistas com atuação reconhecida e amplo conhecimento do campo dos direitos humanos para o centro da decisão, por meio de Comitês de Seleção externos e independentes. São esses comitês que, a cada edital ou linha emergencial de apoio, analisam projetos, orientam decisões e ajudam a fundação na construção e na manutenção da pluralidade de olhares e prioridades.

Problemas e caminhos de enfrentamento

No encontro nacional deste dezembro de 2020, grupos selecionados em cinco linhas de apoio do Fundo Brasil traçaram coletivamente um panorama dos desafios latentes de um país ainda imerso na pandemia de Covid-19 e com a parte da população que tem seus direitos humanos sistematicamente e historicamente negados ainda mais vulnerabilizada.

As análises destas e destes ativistas apontaram como prioridades o enfrentamento real, abrangente e integrado às diversas faces e decorrências do racismo na sociedade brasileira. Também a defesa da terra e dos territórios de povos indígenas e tradicionais, devastados por incêndios florestais, invasões, exploração ilegal da natureza e ameaças à vida de defensoras e defensores de direitos, inclusive ao meio ambiente saudável. E ainda a defesa da vida da população LGBTQIA+, das mulheres e das juventudes periféricas, e o combate à precarização exacerbada do trabalho.

Também é fundamental destacar que estes grupos vão além de apontar problemas: propõem caminhos de superação das desigualdades e das injustiças e buscam soluções na prática, a partir de suas vivências, centradas em problemas específicos de suas comunidades.

São mulheres negras do Mato Grosso que se articulam com imigrantes, quilombolas e ribeirinhas para ampliar sua capacidade de incidência nas instâncias políticas de seu município. Imigrantes do Rio Grande do Sul que propõem projetos a fontes diversas de financiamento, em busca de recursos que fortaleçam ações de advocacy para acesso a direitos básicos. Familiares de vítimas da violência de estado no Rio de Janeiro que denunciam a situação precária dentro dos presídios, como falta de alimentação e água potável. Ativistas indígenas do Pará e da Amazônia na resistência às tentativas de descaracterização de seus modos de vida e na proteção efetiva às vidas de pessoas ameaçadas.

Este é o tipo de trabalho fundamental que o Fundo Brasil apoia e que a filantropia para a justiça social, como um todo, impulsiona.

A experiência do Emergencial Covid-19

Um exemplo concreto do que está dito acima foi o Fundo de Apoio Emergencial: Covid-19. Por meio desta ação, o Fundo Brasil viabilizou, rapidamente, recursos emergenciais para enfrentamento às consequências sociais da pandemia a cerca de 270 iniciativas comunitárias em todos os estados brasileiros.

Este fundo emergencial foi construído a partir de cuidadosa escuta do campo de direitos humanos, que começou a ser feita pela equipe do Fundo Brasil nas primeiras semanas de pandemia. Foram os ativistas e grupos de base que apontaram a urgência da ajuda humanitária – alimentação e higiene -, logística – para distribuição dessa ajuda -, e para a continuidade do trabalho de defesa de direitos.

A equipe do Fundo Brasil também foi a campo para captar mais recursos junto a fundações e institutos nacionais e internacionais e a indivíduos. No total, foram doados R$ 2,4 milhões, com impacto direto na vida de 90 mil pessoas, e mais de 450 mil indiretamente impactadas.

Estratégia atual

Com o encerramento do Fundo Emergencial Covid-19, em setembro, a partir de um diálogo constante com o campo de defesa de direitos humanos, entendemos a necessidade de apoiar o fortalecimento de organizações da sociedade civil, movimentos sociais, coletivos e grupos de base.

A pandemia de Covid-19 e seus efeitos se constituem como a mais recente ameaça à vida da população brasileira. Além da crise sanitária que impacta de forma desigual os mais vulnerabilizados, vivenciamos uma crise econômica e política que coloca em risco a sustentabilidade das organizações que atuam neste campo. Os desafios deste período serão ainda maiores e impõem o dever de lutar por uma configuração em que não seja normalizada a violência física, material e simbólica, nem os retrocessos e a inefetividade de direitos que afetam mulheres, pessoas LGBTQIA+, povos e comunidades tradicionais, dentre outros.

Em razão disso, neste momento a atuação do Fundo Brasil se volta para o apoio ao fortalecimento institucional. Isso significa, entre outras estratégias, viabilizar estrutura material e condições básicas de trabalho, garantindo a sustentabilidade de atividades de promoção da justiça social pela sociedade civil. Esse trabalho, está sendo feito por meio de editais públicos: de fortalecimento institucional para organizações de enfrentamento ao racismo a partir da base; o edital 2021 – Seguir Com Direitos, para apoiar grupos, coletivos e organizações de base que atuam em variados eixos temáticos, tais como direitos das mulheres, das juventudes, dos povos indígenas, de populações quilombolas, trabalhadores rurais, refugiados e outros; e o edital LGBTQIA+ Defendendo Direitos, voltado a grupos com trabalho específico nesse segmento da população.

Estas experiências, assim como o encontro nacional, demonstram o papel estratégico da filantropia para a justiça social no fortalecimento da auto-organização e do protagonismo de populações na defesa de suas causas.

O Fundo Brasil, bem como outros fundos e fundações que fazem grantmaking no Brasil têm um papel que vai além do apoio financeiro: são atores estratégicos na manutenção e na ampliação da democracia. E neste sentido, a Rede de Filantropia para a Justiça Social, que reúne e promove a articulação de boa parte desses atores, tem também ação fundamental na superação dos desafios do campo da filantropia e do investimento social no país.

Nesse dia 10 de dezembro é preciso reafirmar esse compromisso com o fortalecimento de grupos e organizações de direitos humanos. Essa causa só será vitoriosa com o fortalecimento de um amplo conjunto de organizações da sociedade, capaz de se articular e resistir às crescentes violações impostas pelo presente cenário político.

[1] Superintendente adjunta do Fundo Brasil. Advogada formada pela Faculdade de Direito da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é mestre e doutora em direito pela USP (Universidade de São Paulo). Obteve o LL.M (Master of Laws) na área de Teoria Crítica Racial pela UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles). Autora do livro Direito e Políticas Públicas Quilombolas. [2] Superintendente do Fundo Brasil. Advogada formada pela Faculdade de Direito da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é mestre em direito internacional pela American University e especializada em direitos indígenas e na defesa dos direitos socioambientais. É sócia-fundadora do ISA (Instituto Socioambiental). Foi diretora executiva da Rainforest Foundation US, em Nova Iorque (EUA).

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